"Em 1922, ao proclamar a função da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os líderes da Revolução Russa apareciam como os anunciadores do triunfo das luzes da razão sobre os mais ferozes instintos humanos de competição." A união dos Estados socialistas tinha tudo para dar certo. E deu. Mas não por muito tempo. Desta vez, os ferozes competidores saíram vitoriosos.
No começo, tudo ia bem. As más condições em que viviam os países capitalistas pareciam, por outro lado, favorecer a maré para que os socialistas remassem em direção ao progresso e ao sucesso. A Segunda Grande Guerra uniu ainda mais o Bloco da URSS, além de aproximá-lo de países essencialmente burgueses - Estados Unidos da América, Inglaterra e França. Contudo, a aliança não era suficientemente forte e foi derrubada com a Guerra Fria.
Foi esta a responsável pela bipolarização do globo durante décadas a fio. De um lado, o capitalismo; do outro, o socialismo. A corrida armamentista fez com que as disputas ficassem ainda mais acirradas, provocando um período regido pela tensão, pois, a qualquer 'clique', o mundo iria pelos ares com as poderosíssimas bombas atômicas desenvolvidas por ambos os lados da moeda. BUM! Foi quando a maré começou a desandar.
Internamente a situação ficou crítica com os buracos nos cofres. O dinheiro não só era destinado à pesquisas tecnológicas que melhorariam o poderio bélico, mas também era desviado para finalidades distintas e desconhecidas: surgem os corruptos - característica, aliás, supostamente capitalista. O povo não tinha voz (o que é uma deturpação da idéia original) e o Estado passou a ser Stalin. Revoltas eram sufocadas; revoltosos eram perseguidos. Ditadura. Opressão. Autoritarismo. Burocracia exagerada. Falta de comercialização. Estagnação. Produção obsoleta, produtos ultrapassados. Atraso econômico.
Graciliano Ramos descreveu sua aventura singular de abril de 1952:
"Escola 23. Estabelecimento para meninas. Trinta e seis salas comportam mil e duzentas alunas; há cinqüenta e cinco professores, dois médicos e um dentista. Acomodam-se no auditório quinhentos indivíduos, e a biblioteca tem oito mil volumes. O período escolar é de onze anos, abrangendo o curso primário e o secundário; mas aqui não existe seriação: realiza-se um trabalho contínuo. O ensino é ministrado em georgiano, e exige-se o russo e duas línguas estrangeiras: o inglês e o francês. (...) Descemos, estivemos a passear entre as árvores, no pátio do recreio, e vinha-me ao espírito uma frase dita pela diretora da escola, mulher idosa e magra: 'Existem mais de cem escolas iguais na cidade.' Recusavam-se, pois, os nossos louvores. Se eles fossem necessários, deviam estender-se a mais de uma centena de casas semelhantes. Pelos números fornecidos uma hora atrás, podiam matricular-se nelas cento e muitas mil crianças. Isto era na verdade excessivo num lugar de setecentos mil habitantes, ou menos. Lembrava-me dos analfabetos da minha pobre terra, dos pequenos vagabundos famintos que circulam nas ruas, quase nus, a mendigar. (...)
Instituto de Literatura Máximo Gorki. (...) Há 300 alunos atualmente. Indiferentes a crença, o sexo, o partido político. Trabalhos em línguas regionais. Curso de cinco anos. Diploma igual ao das universidades. História, filosofia, história do Partido, economia, lógica, estética, literatura russa, literatura mundial, literatura dos povos da URSS, gramática histórica, estilística, línguas (uma obrigatória: francês, inglês ou alemão). (...)
Usina de rolamentos Kaganovitch. (...) A produção é superior ao que era antes da guerra. Dois turnos; algumas seções funcionam em três turnos. Oito horas de trabalho. Refeitório. Ensino técnico e médio, duas seções. Os operários, depois do trabalho, estudam na filial do Instituto de Construção de Máquinas. Cursos noturnos, que dão certificados de engenheiros. Escola da Juventude Operária: dois turnos. Biblioteca: 51000 volumes. (...)
Fábrica de pão Khrustchev. Como esta há mais de 23 em Moscou. Início: 1931. Produção diária: 250 toneladas de pão. Operárias na maioria. Creches, jardins-de-infância. Refeitório, ambulatório, serviço médico noturno e diurno, dentista. (...) Uma vez por mês os operários se submetem a exame médico. Os doentes são afastados. Descanso: um mês por ano. (...)
Ao rodar no asfalto, embalava-me com uma expressão bastante usada pelas gazetas ocidentais, ponderosas: o vírus do socialismo. (...)"
(RAMOS, Graciliano. "Viagem". Rio de Janeiro: Editora Record, 2007.)
Nada disto foi suficiente. O barco afundou com os cofres, as promessas, os sonhos. Fracasso? Sim. Definitivo? Talvez. O fracasso teve vez por conta de concepções equivocadas. Não foi o marxismo que caiu, mas o stalinismo, que trouxe a falta de planejamento. A ditadura virou de uma pessoa só e não funcionou. Mas não significa que não possa vir a dar certo futuramente. Planos. É preciso tê-los. Os soviéticos até os tinham. "Pero eso eran planes", nada mais.
(LC.)
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Um comentário:
Texto fantástico, com poesia narrativa digna de uma leitora dedicada. A mescla de reporter-crítica-literata com um pouco de Graciliano e aventuras corajosas de opiniões fortes fizeram desse texto: fantástico...
Passarei por aqui mais vezes... quem sabe: sempre.
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