quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Um carrossel de sabores

(Artigo escrito para o jornal O Lírio, a ser publicado em 13/12/2008.)

Ao cruzarem as portas do Cetreino a 12 de setembro de 2008, na cidade de Carpina, Pernambuco, comitivas de nove Bethéis traziam na bagagem critérios diferentes de avaliação os quais amedrontavam. A expectativa pairava no ar, os olhares percorriam o local roxo e branco. Ao ser pisado pela primeira vez, o "tapete da fama" acendeu-se e iluminou o ambiente festivo durante três dias e duas noites.

A abertura do II Congresso Pernambucano da Ordem Internacional das Filhas de Jó deu-se com muita emoção. Idealizada por mestres-cuca até então amadores, contou com ingredientes básicos testados muitas vezes anteriormente: receptividade, sorrisos e (in)segurança - todos em grande quantidade. Contudo, a entrada tinha algo diferente, inovador, encantador. E foi justamente esse toque mágico que conquistou os especialistas gastronômicos. O segredo? Simplicidade em doses generosas, derretida em banho-maria e misturada com bastante criatividade.

Em tempo: esse segredo fez-se presente em todos os pratos servidos.

O prato principal não deixou a desejar. Após ser anunciado, cada componente teve seu momento exclusivo para ser apresentado e devidamente apreciado. Primeiramente, a chefe de cozinha convidada, Marília, mostrou aos críticos a receita da convivência, sua mais conhecida iguaria. Formada em psicologia, deu dicas de como preparar tal manjar saboroso, além de mostrar o ponto certo para um consumo prazeroso. Após aplausos, mais dois acompanhamentos foram então postos na mesa, de acordo com o gosto do freguês. Aos mais jovens e, portanto, defensores de comidas energéticas, foi servida uma gincana regada de muita diversão e alegria, com uma pitada de conhecimento e espírito esportivo. Os comentários sobre o item foram unânimes: interessante maneira de fortalecer idéias ritualísticas, de propiciar união e extasiar o consumidor. Os de maior tempo de prática, no entanto, optaram por uma coisa mais light que saciasse sua fome sem causar indisposições posteriores. Para atingir tal objetivo, nada melhor que um exercício relaxante seguido de troca de experiências, balanços e decisões. Mas esses eram só os acompanhamentos, o melhor estava por vir.

Uma perfeita combinação bem aquecida pelo método mais simples: calor humano em uma temperatura bem elevada. Não, caros leitores, não era feijão e arroz, mas uma casadinha de Posse do Bethel Jurisdicional - tendo como Guardiã a tia Rita de Cássia do Bethel #03 Caruaru, e como Guardião Associado o tio Antônio Jr. - e Homenagem ao aniversário de 14 anos do Bethel #01 Recife, organizador do evento. Aliás, é importante frisar que um de nossos chefes, Sandro Monteiro, mais conhecido como tio Gordinho, recebeu o cargo de Guardião de Relações Fraternais do BJ. Os efeitos colaterais do prato foram imediatos. Nenhum médico foi chamado, mas incontáveis pacotes de guardanapo foram usados para enxugar as incessantes lágrimas que deram o ar de sua graça nos rostos ali presentes. A posse tão esperada foi finalmente realizada brilhantemente. E, claro, o sabor mais marcante foi um vídeo repleto de depoimentos de figuras marcantes, ainda ativas ou não, para o Pioneiras do Amanhã, além de palavras escolhidas a dedo pela cozinheira Laura Camello.

Sobremesas várias. Uma delas foi a confraternização criada por Laila Almeida, *Elis França e seus vários auxiliares de cozinha. Uma bem dançante e deliciosa (foto). O toque musical foi dado por Antônio Gomes. Empanturrados (com o perdão da palavra), nossos queridos peritos recolheram-se aos seus aposentos e retornaram algumas horas mais tarde para as últimas degustações: emoção, lágrimas, depoimentos, fotos, paródias, coreografias, agradecimentos, palavras finais. Uf!

Quando pequena, minha mãe ensinou-me a orar após as refeições, a agradecer a Deus por tudo o que tenho. Bem, parece-me que se trata de uma atitude-padrão. Todos ali presentes oraram e choraram juntos. De mãos dadas, olhos fechados e cabeças baixas: "...O pão nosso de cada dia nos dai hoje...". A corrente foi passada. Parafraseando a então Honorável Rainha Patrícia Lira, "fim".
(*) Uma batida de malhete: significa que uma Ordem dos Trabalhos foi finalizada.
Amém!

*Elizabeth (com 'Z') Vinagrete Taylor, Elis para os íntimos.

LC.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

As flores não brotam do concreto

Uma vela acendeu-se, a luz propagou-se, os rostos iluminaram-se, assim como o ambiente. Faces pálidas, magras, com olhos inexpressivos, olhares distantes, temerosos. Paredes de pedra cercavam aquelas figuras que pareciam carregar fardos nos ombros já cansados, doridos; o espaço abafado sufocava os desejos e semeava a dúvida do que viria no minuto seguinte. As bocas confundiam gostos azedos e amargos; exprimiam um sorriso amarelo - talvez nem isso.

- Tradição, honra, disciplina, excelência - bradou a voz à frente do púlpito desbotado.


E assim seria dali por diante.

Todos os dias aqueles mesmos olhos inexpressivos de outrora multiplicavam-se para verem homens de ternos engomados falarem do mundo, do ontem, do verso...Homens sábios, experientes, luzes do saber. Luzes estas que iluminariam a escuridão das mentes jovens e vazias; que forneceria o brilho necessário para as estrelas do amanhã ascenderem.


"Tradição". De fato o conservadorismo ali existente sustentava o brado do momento primeiro. Tudo mecânico e previsível: repetição, memorização, fixação. O autoritarismo dos homens impõe não respeito, mas tensão, a qual impede qualquer tipo de questionamento, e garante disciplina e excelência.


Erva-daninha. O jardineiro chega para salvar as árvores, cuidar das rosas. Agora sim os olhos brilham, os corações disparam ao encherem-se de esperança: a esperança de sonhar, que chega através da poesia com ou sem rima, com ou sem métrica. A poesia exala um perfume de fragrância ímpar criada ao acaso, sem fórmula. Seu cheiro encanta, inebria, entontece. O jardineiro tem a função de assegurar a beleza e a essência do jardim. Para isso é preciso água, ar, sol, adubo.


Embora as flores necessitem dos cuidados do jardineiro, a autonomia delas faz parte do cultivo. E é o que difere simples homens de uma pessoa da terra: a humildade e sabedoria de entender que é apenas mais uma ferramenta usada pelo botão para produzir seu perfume, moldar sua forma, construir sua vida, determinar o porquê de sua existência.


Desajeitados, os homens arrancarão as rosas já desabrochadas do jardim cultivado pela pessoa da terra. Os espinhos fincarão em seus dedos, deixando cicatrizes após derramar o sangue tão vermelho quanto as pétalas da flor idealizada.


Enfurecidos, os homens dirão que a culpa é do jardineiro. Insistirão com a idéia de que são mais importantes que água, ar, sol, adubo. Persistirão com a vontade de alimentar a erva-daninha. A peste espalhar-se-á.


Medo.

De não ver flores; de não inalar o perfume das rosas; de não enaltecer a beleza do jardim.

Medo nos olhos. Naqueles mesmos olhos inexpressivos de outrora.

Medo.

Medo que ofusca o brilho e apaga a estrela.

Medo!


Os sussurros do jardineiro perdem-se com o vento da noite banhada por um luar sinistro, revelador de miragens.


A peste espalhar-se-á. Algumas rosas murcharão; flores morrerão.


Nem mesmo a mais bela e cheirosa resistirá. Os raios de sol denunciarão os restos caídos na terra. As plantas que resistirem não irão mais se desenvolver; os homens serão água, ar, sol, adubo.


Os mesmos olhos inexpressivos de outrora, os quais principiaram o brilho da estrela do amanhã, olharão para a terra e só enxergarão asfalto. Nada mais.


É que as flores não brotam do concreto.
LC.

sábado, 4 de outubro de 2008

Mil e uma, mas, na verdade, nenhuma!

Pessoa: Coisa que acaba.
Troço que tem fim.
Sujeito. Que não dura, que se extingue.
Míngua. Negócio finito, que finda.
Festa que termina. Coisa que passa, se apaga, fina.
Pessoa. Troço que definha.
Que será cinzas. Que o chão devora.
Fogo que o vento assopra. Bolha que estoura.
Sujeito. Líquido que evapora.
Lixo que se joga fora.
Coisa que não sobra, soçobra, vai embora. Que nada fixa.
A foto amarela; o filme queima, embolora; a memória falha; o papel se rasga, se perde, não se repete.
Pessoa. Pedaço de perda.
Coisa que cessa, fenece, apodrece.
Fome que se sacia. Negócio que some, que se consome.
Sujeito. Água que o sol seca, que a terra bebe.
Algo que morre, falece, desaparece.
Cara, bicho, objeto.
Nome que se esquece.


(Arnaldo Antunes)


Atos e papos, laços e abraços. Nem um vintém, elogio, apreço. The same path always, no time for risks. Mas uma vida não determina uma reputação. Fatos e boatos. Antes, ninguém. Agora, qualquer uma -- literalmente! De que adianta acertar? O erro sobrepõe a boa conduta. Aliás, que é boa conduta, afinal?

Algo determinado pela sociedade, que deve ser seguido fielmente por quem deseja ser visto com bons olhos, sem bem aceito. Livre-arbítrio é balela, mas virou clichê. Parafraseando Cecília, a liberdade é um sonho que o humano alimenta, mas que não há ninguém que explique ou não entenda. Então não sou humana, sou bicho. Irracional, pois não entendo. "Errar é humano": outro clichê. Mas por quê? Clichê, segundo o Aurélio, é uma imagem visual muito comum. Comum por ser verdade. Mas o erro não é tido como natural. Ou é?

Para quê minha boa conduta? Para alguém. Quem? Eu. Continuo uma qualquer; ou mais uma. O consolo é a certeza de que amanhã serei nada de novo. Sujeito finito, que finda. Porque sou ninguém que, quando alguém, um nome que se esquece.

A bolha acaba de estourar.

LC.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O fato de negar o pensamento já é pensar

V

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica tem naquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem?
Nem saber o que não sabem?

'Constituição íntima das cousas'...
'Sentido íntimo do universo'...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos
lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentando, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende que fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si-próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda hora.

(Alberto Caeiro, em O Guardador de Rebanhos)



Para mim isso chama-se sabedoria do equilíbrio.

LC.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Não pára!

Foi um susto: Primeiro o embrulho,
depois o nó, e então o barulho.
Uma mão segurou a outra, um tremor tomou conta do corpo.
O peito bateu, a visão sumiu. Mil palavras deixaram-me muda,
o silêncio cresceu - embora não fosse câncer.
- Pára! Não, espera!
O gosto? Amargo, doce, salgado.
A alma tornou-se multicolorida, e o sorriso não pôde ser contido.
Embriagada, senti o mundo, caleidoscópico, rodar.
E ainda roda.
- É para parar?
- Não, espera!

(LC.)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Aborto: Caso de polícia ou de saúde pública?

Sempre que mencionado, o aborto vira polêmica. Opiniões antagônicas são formadas em relação ao tema. Há quem defenda a legalização do aborto e quem a condene. Ser defensor, contudo, não implica em dizer que é a favor do ato. O argumento utilizado é um só: o feto já é uma vida que fora gerada no ventre da mãe e, por mais que esta não queira dar à luz a criança, não deve tirar o mundo desta.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão prega justamente o que fora citado anteriormente: todos são iguais e têm direito a vida. Além disso, há a formação religiosa envolvida na história, que carrega o princípio de que a morte do bebê não é vontade divina. No entanto, quando fala-se em legalização, a cara vira coroa.
O aborto é fato: existe e sempre existirá, independentemente do que é dito pela constituição. Portanto, para que não haja seqüelas ou mortes de mulheres, ocasionadas por infecções adquiridas pela falta de condições básicas de higiene nas clínicas clandestinas, a aprovação da lei que permite o aborto é a melhor opção. Mesmo existindo métodos contraceptivos para evitar a gravidez indesejada, nem sempre esses são eficientes, de modo que podem acontecer casos (o que é freqüente) de a mulher ser surpreendida com o BHCG positivo.
E já que estamos falando do Brasil, é relevante constatarmos que trata-se de um país extremamente desigual. Assim, as pessoas não-instruídas possuem uma taxa de natalidade muito elevada, mas as condições dos bebês são as mais precárias possíveis, pois não há a devida atuação do governo no que diz respeito aos pré-requisitos básicos para a existência de uma mínima qualidade de vida.
Há quem defenda, porém, que, mesmo com a legalização, continuarão existindo "aborteiros" clandestinos, já que muitas mulheres -- como as da high society, por exemplo -- optarão por não terem seus nomes relacionados a este tipo de ato. Argumenta-se, ainda, que é "politicamente correto" ter o bebê e dá-lo a um orfanato, pois as filas de adoção são grandes. Soma-se a isso a possibilidade de o Estado viabilizar mais métodos anticoncepcionais nos postos de saúde das comunidades, além de proporcionar campanhas educativas de sexo seguro e prevenção da gravidez indesejada.
A discussão é histórica e não é aqui que irá ser finda. Pontos de vista distintos devem ser levados em consideração. Apenas a legalização do aborto parece ser a decisão mais coerente a ser tomada, pois há o livre arbítrio: a consciência de cada um agirá por si só. Afinal, há uma república democrática em que todos têm poder de escolha, ou será um regime fechado para o povo, mas aberto ao crime clandestino?

(LC.)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

"Maybe you have the sense of 'God, if You give me this, then I'd be happy.' And maybe God's like 'No, you wouldn't be happy!'"

"We often have our own ideas of what would be better, don't we? And so we expect God to agree with our idea of what would be better, but God's idea of better is better, isn't it? I don't know why there's so much pain and confusion in life, and I don't know how God can stand it. But I do know the question is: do I believe that God is good? I mean, do you, deep in your bones, what do you really believe God is like? Because until we each deal with this question, nothing is ever make any sense, is it?
And Jesus said: 'Who of you, if a son asks for bread, you'd give him stone, or if a son asks for a fish, you'd give him a snake?'
If you - and you're human, you're flustered, and blood -, if you know how to give good gifts to your children, how much more will your Heavenly Father give good gifts to those who ask Him? So when you find yourself standing at the kiosk asking 'why can't I have what I want?', may you believe that God is good, and that across the street He has something better."

(Rob Bell)

Nooma Video #06, The kickball

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Fale

Conhecido por utilizar humor e cores extravagantes em seus filmes de início de carreira, Almodóvar parece ter mudado o foco de suas últimas produções cinematográficas. Fale com ela é prova disso. O espanhol trata do amor de uma maneira singular, mesmo este sendo talvez o tema mais abordado por aí.
A trama gira em torno de dois homens, Marco e Benigno, dotados de uma esperança que possa despertar suas amadas do coma. O primeiro deles se envolve com Lydia, uma toureira capaz de enfrentar seis animais ferozes, ao mesmo tempo, em uma arena. O outro é obcecado por Alicia, uma bela bailarina por quem nutre um amor platônico. Os dois se conhecem no hospital onde cuidam das doentes, e tornam-se amigos.
Apesar de emotivo, Marco não consegue demonstrar seus sentimentos para Lydia, já que essa está em cima de uma cama e a parte de seu cérebro que comanda sentimentos e idéias fora comprometida. Assim, de nada adiantaria conversar com ela. Essa linha de raciocínio, contudo, é diferente da adotada pelo enfermeiro Benigno, homem de personalidade única que cuida incansavelmente da pele, do corpo, dos cabelos e de tudo o que, enfim, está relacionado à Alicia, não deixando de falar com ela nem um segundo sobre tudo o que um dia atraíra a atenção da jovem: dança, teatro e cinema, sobretudo mudo. Sua dedicação pela moça é explícita e mostra que o amor não é um sentimento carnal. Eis aí o que aproximará os protagonistas, fazendo com que Marco transforme-se.
Rousseau disse: "Se é a razão que faz o homem, é o sentimento que o conduz." De fato, é o que acontece. Marco deixa de ser um homem guiado pela razão e sua amizade com o enfermeiro faz com que seus laços afetivos, antes reprimidos, estreitem-se e tornem-se latentes, permitindo que ele ame desesperadamente. Um amor não-carnal, repito, sem intenções sexuais e que não separa certo ou errado.
É engraçado perceber a falta de comunicação, considerada um dos principais motivos os quais levam relações ao fim. Os protagonistas não são ouvidos pelas amadas (fato ainda mais curioso, já que são as mulheres que sempre convocam as chamadas "DR"); no entanto, são os monólogos por eles praticados que alimentam e sustentam o sentimento existente e são mais fortes que diálogos.
O filme traz a idéia de que não deve-se guardar o que há para ser dito; talvez não haja outra oportunidade para fazê-lo. E o arrependimento é a pior das sensações. Dead poets society fala de coisa parecida. Aguarde as cenas do próximo capítulo.

(LC.)

domingo, 29 de junho de 2008

O colapso da União Soviética e o fracasso do socialismo

"Em 1922, ao proclamar a função da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os líderes da Revolução Russa apareciam como os anunciadores do triunfo das luzes da razão sobre os mais ferozes instintos humanos de competição." A união dos Estados socialistas tinha tudo para dar certo. E deu. Mas não por muito tempo. Desta vez, os ferozes competidores saíram vitoriosos.

No começo, tudo ia bem. As más condições em que viviam os países capitalistas pareciam, por outro lado, favorecer a maré para que os socialistas remassem em direção ao progresso e ao sucesso. A Segunda Grande Guerra uniu ainda mais o Bloco da URSS, além de aproximá-lo de países essencialmente burgueses - Estados Unidos da América, Inglaterra e França. Contudo, a aliança não era suficientemente forte e foi derrubada com a Guerra Fria.

Foi esta a responsável pela bipolarização do globo durante décadas a fio. De um lado, o capitalismo; do outro, o socialismo. A corrida armamentista fez com que as disputas ficassem ainda mais acirradas, provocando um período regido pela tensão, pois, a qualquer 'clique', o mundo iria pelos ares com as poderosíssimas bombas atômicas desenvolvidas por ambos os lados da moeda. BUM! Foi quando a maré começou a desandar.

Internamente a situação ficou crítica com os buracos nos cofres. O dinheiro não só era destinado à pesquisas tecnológicas que melhorariam o poderio bélico, mas também era desviado para finalidades distintas e desconhecidas: surgem os corruptos - característica, aliás, supostamente capitalista. O povo não tinha voz (o que é uma deturpação da idéia original) e o Estado passou a ser Stalin. Revoltas eram sufocadas; revoltosos eram perseguidos. Ditadura. Opressão. Autoritarismo. Burocracia exagerada. Falta de comercialização. Estagnação. Produção obsoleta, produtos ultrapassados. Atraso econômico.

Graciliano Ramos descreveu sua aventura singular de abril de 1952:
"Escola 23. Estabelecimento para meninas. Trinta e seis salas comportam mil e duzentas alunas; há cinqüenta e cinco professores, dois médicos e um dentista. Acomodam-se no auditório quinhentos indivíduos, e a biblioteca tem oito mil volumes. O período escolar é de onze anos, abrangendo o curso primário e o secundário; mas aqui não existe seriação: realiza-se um trabalho contínuo. O ensino é ministrado em georgiano, e exige-se o russo e duas línguas estrangeiras: o inglês e o francês. (...) Descemos, estivemos a passear entre as árvores, no pátio do recreio, e vinha-me ao espírito uma frase dita pela diretora da escola, mulher idosa e magra: 'Existem mais de cem escolas iguais na cidade.' Recusavam-se, pois, os nossos louvores. Se eles fossem necessários, deviam estender-se a mais de uma centena de casas semelhantes. Pelos números fornecidos uma hora atrás, podiam matricular-se nelas cento e muitas mil crianças. Isto era na verdade excessivo num lugar de setecentos mil habitantes, ou menos. Lembrava-me dos analfabetos da minha pobre terra, dos pequenos vagabundos famintos que circulam nas ruas, quase nus, a mendigar. (...)
Instituto de Literatura Máximo Gorki. (...) Há 300 alunos atualmente. Indiferentes a crença, o sexo, o partido político. Trabalhos em línguas regionais. Curso de cinco anos. Diploma igual ao das universidades. História, filosofia, história do Partido, economia, lógica, estética, literatura russa, literatura mundial, literatura dos povos da URSS, gramática histórica, estilística, línguas (uma obrigatória: francês, inglês ou alemão). (...)
Usina de rolamentos Kaganovitch. (...) A produção é superior ao que era antes da guerra. Dois turnos; algumas seções funcionam em três turnos. Oito horas de trabalho. Refeitório. Ensino técnico e médio, duas seções. Os operários, depois do trabalho, estudam na filial do Instituto de Construção de Máquinas. Cursos noturnos, que dão certificados de engenheiros. Escola da Juventude Operária: dois turnos. Biblioteca: 51000 volumes. (...)
Fábrica de pão Khrustchev. Como esta há mais de 23 em Moscou. Início: 1931. Produção diária: 250 toneladas de pão. Operárias na maioria. Creches, jardins-de-infância. Refeitório, ambulatório, serviço médico noturno e diurno, dentista. (...) Uma vez por mês os operários se submetem a exame médico. Os doentes são afastados. Descanso: um mês por ano. (...)
Ao rodar no asfalto, embalava-me com uma expressão bastante usada pelas gazetas ocidentais, ponderosas: o vírus do socialismo. (...)"


(RAMOS, Graciliano. "Viagem". Rio de Janeiro: Editora Record, 2007.)

Nada disto foi suficiente. O barco afundou com os cofres, as promessas, os sonhos. Fracasso? Sim. Definitivo? Talvez. O fracasso teve vez por conta de concepções equivocadas. Não foi o marxismo que caiu, mas o stalinismo, que trouxe a falta de planejamento. A ditadura virou de uma pessoa só e não funcionou. Mas não significa que não possa vir a dar certo futuramente. Planos. É preciso tê-los. Os soviéticos até os tinham. "Pero eso eran planes", nada mais.

(LC.)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Quem cala também fala

Escrever: 1. Representar por meio de letras; registrar por escrito. 2. Redigir (obra escrita). 3. Dirigir carta ou bilhete.

A escrita é, sem dúvida, a forma mais singular para que idéias ou sentimentos sejam expressos. Surgiu com a necessidade do homem de registrar simples fatos do cotidiano. Parafraseando Clarice, só o que não muda é o que está morto. O tempo, talvez mais vivo que quaisquer seres mortais, fez com que o objetivo inicial do fenômeno em questão não simplesmente mudasse -- já que as metamorfoses podem ser demasiadamente drásticas e irreversíveis, o que se opõe à idéia de "mudar para melhor" -- não simplesmente mudasse, como dizia, mas fosse aperfeiçoado para que pudesse atender às expectativas, em sua maioria pessoais, dos que o praticam.
Foi então que surgiram os livros, os quais trazem opiniões ou interpretações de seus autores para que estas sejam expostas e partilhadas entre os interessados. A música nada mais é do que uma maneira de trazer a palavra escrita através de um conjunto agradável de sons, assim como o filme não passa de uma técnica criada para transportar o expectador de forma mais realística para o mundo do que fora escrito. A arte, contudo, é uma só: a escrita. E os orientadores de vestibular que me perdoem, mas nem um sinônimo é tão forte quanto tal substantivo, portanto esse será repetido quantas vezes forem necessárias. Aqui estou apenas para escrivinhar.
Há quem tenha a capacidade de transformar esse meio em um recurso mendaz a fim de persuadir o leitor para que o mesmo seja atraído pela falsa aparência do certo e apurado -- é claro que quem escreve tende a trazer uns e outros para o seu lado. Os possuidores dessa técnica têm profissão reconhecida e emprego garantido na indústria cuja existência se dá pelo modismo em incessante ascensão desde a década de 1940: a busca do capital. Mentiras nos campos políticos, econômicos, sociais...Mas mentir é um verbo forte demais. Iludir. Esse sim, é perfeito. Aquele que possuir dom maior para iludir, mais valorizado será. Afinal, para bom entendedor, meia palavra basta. Apesar de haver redargüições a serem feitas, não é este o mérito da questão.
De fato, pudicos e herméticos como eu encontram na escrita saída perfeita para colocar para fora tudo aquilo engasgado -- leia-se opinião, sentimento, idéia, hipótese e teoria. E é assim que nasce o blog ora visitado.

(LC.)