segunda-feira, 30 de junho de 2008

Fale

Conhecido por utilizar humor e cores extravagantes em seus filmes de início de carreira, Almodóvar parece ter mudado o foco de suas últimas produções cinematográficas. Fale com ela é prova disso. O espanhol trata do amor de uma maneira singular, mesmo este sendo talvez o tema mais abordado por aí.
A trama gira em torno de dois homens, Marco e Benigno, dotados de uma esperança que possa despertar suas amadas do coma. O primeiro deles se envolve com Lydia, uma toureira capaz de enfrentar seis animais ferozes, ao mesmo tempo, em uma arena. O outro é obcecado por Alicia, uma bela bailarina por quem nutre um amor platônico. Os dois se conhecem no hospital onde cuidam das doentes, e tornam-se amigos.
Apesar de emotivo, Marco não consegue demonstrar seus sentimentos para Lydia, já que essa está em cima de uma cama e a parte de seu cérebro que comanda sentimentos e idéias fora comprometida. Assim, de nada adiantaria conversar com ela. Essa linha de raciocínio, contudo, é diferente da adotada pelo enfermeiro Benigno, homem de personalidade única que cuida incansavelmente da pele, do corpo, dos cabelos e de tudo o que, enfim, está relacionado à Alicia, não deixando de falar com ela nem um segundo sobre tudo o que um dia atraíra a atenção da jovem: dança, teatro e cinema, sobretudo mudo. Sua dedicação pela moça é explícita e mostra que o amor não é um sentimento carnal. Eis aí o que aproximará os protagonistas, fazendo com que Marco transforme-se.
Rousseau disse: "Se é a razão que faz o homem, é o sentimento que o conduz." De fato, é o que acontece. Marco deixa de ser um homem guiado pela razão e sua amizade com o enfermeiro faz com que seus laços afetivos, antes reprimidos, estreitem-se e tornem-se latentes, permitindo que ele ame desesperadamente. Um amor não-carnal, repito, sem intenções sexuais e que não separa certo ou errado.
É engraçado perceber a falta de comunicação, considerada um dos principais motivos os quais levam relações ao fim. Os protagonistas não são ouvidos pelas amadas (fato ainda mais curioso, já que são as mulheres que sempre convocam as chamadas "DR"); no entanto, são os monólogos por eles praticados que alimentam e sustentam o sentimento existente e são mais fortes que diálogos.
O filme traz a idéia de que não deve-se guardar o que há para ser dito; talvez não haja outra oportunidade para fazê-lo. E o arrependimento é a pior das sensações. Dead poets society fala de coisa parecida. Aguarde as cenas do próximo capítulo.

(LC.)

domingo, 29 de junho de 2008

O colapso da União Soviética e o fracasso do socialismo

"Em 1922, ao proclamar a função da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, os líderes da Revolução Russa apareciam como os anunciadores do triunfo das luzes da razão sobre os mais ferozes instintos humanos de competição." A união dos Estados socialistas tinha tudo para dar certo. E deu. Mas não por muito tempo. Desta vez, os ferozes competidores saíram vitoriosos.

No começo, tudo ia bem. As más condições em que viviam os países capitalistas pareciam, por outro lado, favorecer a maré para que os socialistas remassem em direção ao progresso e ao sucesso. A Segunda Grande Guerra uniu ainda mais o Bloco da URSS, além de aproximá-lo de países essencialmente burgueses - Estados Unidos da América, Inglaterra e França. Contudo, a aliança não era suficientemente forte e foi derrubada com a Guerra Fria.

Foi esta a responsável pela bipolarização do globo durante décadas a fio. De um lado, o capitalismo; do outro, o socialismo. A corrida armamentista fez com que as disputas ficassem ainda mais acirradas, provocando um período regido pela tensão, pois, a qualquer 'clique', o mundo iria pelos ares com as poderosíssimas bombas atômicas desenvolvidas por ambos os lados da moeda. BUM! Foi quando a maré começou a desandar.

Internamente a situação ficou crítica com os buracos nos cofres. O dinheiro não só era destinado à pesquisas tecnológicas que melhorariam o poderio bélico, mas também era desviado para finalidades distintas e desconhecidas: surgem os corruptos - característica, aliás, supostamente capitalista. O povo não tinha voz (o que é uma deturpação da idéia original) e o Estado passou a ser Stalin. Revoltas eram sufocadas; revoltosos eram perseguidos. Ditadura. Opressão. Autoritarismo. Burocracia exagerada. Falta de comercialização. Estagnação. Produção obsoleta, produtos ultrapassados. Atraso econômico.

Graciliano Ramos descreveu sua aventura singular de abril de 1952:
"Escola 23. Estabelecimento para meninas. Trinta e seis salas comportam mil e duzentas alunas; há cinqüenta e cinco professores, dois médicos e um dentista. Acomodam-se no auditório quinhentos indivíduos, e a biblioteca tem oito mil volumes. O período escolar é de onze anos, abrangendo o curso primário e o secundário; mas aqui não existe seriação: realiza-se um trabalho contínuo. O ensino é ministrado em georgiano, e exige-se o russo e duas línguas estrangeiras: o inglês e o francês. (...) Descemos, estivemos a passear entre as árvores, no pátio do recreio, e vinha-me ao espírito uma frase dita pela diretora da escola, mulher idosa e magra: 'Existem mais de cem escolas iguais na cidade.' Recusavam-se, pois, os nossos louvores. Se eles fossem necessários, deviam estender-se a mais de uma centena de casas semelhantes. Pelos números fornecidos uma hora atrás, podiam matricular-se nelas cento e muitas mil crianças. Isto era na verdade excessivo num lugar de setecentos mil habitantes, ou menos. Lembrava-me dos analfabetos da minha pobre terra, dos pequenos vagabundos famintos que circulam nas ruas, quase nus, a mendigar. (...)
Instituto de Literatura Máximo Gorki. (...) Há 300 alunos atualmente. Indiferentes a crença, o sexo, o partido político. Trabalhos em línguas regionais. Curso de cinco anos. Diploma igual ao das universidades. História, filosofia, história do Partido, economia, lógica, estética, literatura russa, literatura mundial, literatura dos povos da URSS, gramática histórica, estilística, línguas (uma obrigatória: francês, inglês ou alemão). (...)
Usina de rolamentos Kaganovitch. (...) A produção é superior ao que era antes da guerra. Dois turnos; algumas seções funcionam em três turnos. Oito horas de trabalho. Refeitório. Ensino técnico e médio, duas seções. Os operários, depois do trabalho, estudam na filial do Instituto de Construção de Máquinas. Cursos noturnos, que dão certificados de engenheiros. Escola da Juventude Operária: dois turnos. Biblioteca: 51000 volumes. (...)
Fábrica de pão Khrustchev. Como esta há mais de 23 em Moscou. Início: 1931. Produção diária: 250 toneladas de pão. Operárias na maioria. Creches, jardins-de-infância. Refeitório, ambulatório, serviço médico noturno e diurno, dentista. (...) Uma vez por mês os operários se submetem a exame médico. Os doentes são afastados. Descanso: um mês por ano. (...)
Ao rodar no asfalto, embalava-me com uma expressão bastante usada pelas gazetas ocidentais, ponderosas: o vírus do socialismo. (...)"


(RAMOS, Graciliano. "Viagem". Rio de Janeiro: Editora Record, 2007.)

Nada disto foi suficiente. O barco afundou com os cofres, as promessas, os sonhos. Fracasso? Sim. Definitivo? Talvez. O fracasso teve vez por conta de concepções equivocadas. Não foi o marxismo que caiu, mas o stalinismo, que trouxe a falta de planejamento. A ditadura virou de uma pessoa só e não funcionou. Mas não significa que não possa vir a dar certo futuramente. Planos. É preciso tê-los. Os soviéticos até os tinham. "Pero eso eran planes", nada mais.

(LC.)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Quem cala também fala

Escrever: 1. Representar por meio de letras; registrar por escrito. 2. Redigir (obra escrita). 3. Dirigir carta ou bilhete.

A escrita é, sem dúvida, a forma mais singular para que idéias ou sentimentos sejam expressos. Surgiu com a necessidade do homem de registrar simples fatos do cotidiano. Parafraseando Clarice, só o que não muda é o que está morto. O tempo, talvez mais vivo que quaisquer seres mortais, fez com que o objetivo inicial do fenômeno em questão não simplesmente mudasse -- já que as metamorfoses podem ser demasiadamente drásticas e irreversíveis, o que se opõe à idéia de "mudar para melhor" -- não simplesmente mudasse, como dizia, mas fosse aperfeiçoado para que pudesse atender às expectativas, em sua maioria pessoais, dos que o praticam.
Foi então que surgiram os livros, os quais trazem opiniões ou interpretações de seus autores para que estas sejam expostas e partilhadas entre os interessados. A música nada mais é do que uma maneira de trazer a palavra escrita através de um conjunto agradável de sons, assim como o filme não passa de uma técnica criada para transportar o expectador de forma mais realística para o mundo do que fora escrito. A arte, contudo, é uma só: a escrita. E os orientadores de vestibular que me perdoem, mas nem um sinônimo é tão forte quanto tal substantivo, portanto esse será repetido quantas vezes forem necessárias. Aqui estou apenas para escrivinhar.
Há quem tenha a capacidade de transformar esse meio em um recurso mendaz a fim de persuadir o leitor para que o mesmo seja atraído pela falsa aparência do certo e apurado -- é claro que quem escreve tende a trazer uns e outros para o seu lado. Os possuidores dessa técnica têm profissão reconhecida e emprego garantido na indústria cuja existência se dá pelo modismo em incessante ascensão desde a década de 1940: a busca do capital. Mentiras nos campos políticos, econômicos, sociais...Mas mentir é um verbo forte demais. Iludir. Esse sim, é perfeito. Aquele que possuir dom maior para iludir, mais valorizado será. Afinal, para bom entendedor, meia palavra basta. Apesar de haver redargüições a serem feitas, não é este o mérito da questão.
De fato, pudicos e herméticos como eu encontram na escrita saída perfeita para colocar para fora tudo aquilo engasgado -- leia-se opinião, sentimento, idéia, hipótese e teoria. E é assim que nasce o blog ora visitado.

(LC.)