sábado, 10 de outubro de 2009

Palavras suficientes

Clarice Lispector entrevista Pablo Neruda - recorte de "Entrevistas"

Clarice: O que é angústia?

Neruda: Sou feliz.

Clarice: Escrever melhora a angústia de viver?

Neruda: Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal.

Clarice: Quem é Deus?

Neruda: Todos, algumas vezes. Nada, sempre.Clarice: Como é que você descreve um ser humano o mais complexo possível?

Neruda: Político, poético. Físico.

Clarice: Como é uma mulher bonita?

Neruda: Feita de muitas mulheres.

Clarice: Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento.

Neruda: Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?

Clarice: Em você o que precede a criação é a angústia ou um estado de graça?

Neruda: Não conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.

Clarice: Diga alguma coisa que me surpreenda.

Neruda: 748.

Clarice: Que acha da literatura engajada?

Neruda: Toda literatura é engajada.

Clarice: Qual de seus livros você mais gosta?

Neruda: O próximo.

Clarice: A que você atribui o fato de que os seus leitores acham você o 'vulcão da América Latina'?

Neruda: Não sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.

Clarice: Como se processa em você a criação?

Neruda: Com papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.

Clarice: A crítica constrói?

Neruda: Para os outros, não para o criador.

Clarice: Você já fez algum poema de encomenda? Se o fez, faça um agora, mesmo que seja um bem curto.

Neruda: Muitos. São os melhores. Este é um poema.

Clarice: Qual é a coisa mais importante do mundo?

Neruda: Tratar de que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.

Clarice: O que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?

Neruda: Depende da hora do dia.

Clarice: O que é amor? Qualquer tipo de amor.

Neruda: A melhor definição seria: o amor é o amor.

Clarice: Você já sofreu muito por amor?

Neruda: Estou disposto a sofrer mais.


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L.