domingo, 25 de janeiro de 2009

Estação Fome

Tic-tac - fazia o relógio importado do rapaz de terno e gravata. Era o som que embalava a garotinha recém nascida no colo da mãe. Em pé, um menino de preto, gel no cabelo, tênis quadriculado, brinco no nariz - mas não seria um boi? Não. Como é mesmo que se chama por aí? Já lembro. Devia ser surdo, o coitado. Se não era, vai ser um dia.
Não me entenda mal, não se trata de praga, mas de tecnologia: um aparelhinho às alturas nos ouvidos. Rock. Elvis Presley era barulho. Ah! 1954, that's all right, mama, explicação plausível.
A moça que ia de costas tinha o riso frouxo, sem motivo; olhava desconfiada para os lados - será mesmo que alguém prestava atenção nela?
Ao seu lado, uma senhora dava um nó em cada sacola que protegia frutas frescas compradas na feira de rua. Oito horas, mostrava o relógio importado. Feiras são cruéis: obrigam donas-de-casa a madrugar para garantir a ameixa mais vistosa, a lichia mais doce, o mamão mais maduro. Resultado: enquanto estamos indo com o caju, elas já estão voltando com a castanha.
- Pega ladrão!
A moça parou de rir; o rapaz escondeu o relógio com a mão direita, trêmula; o bebê acordou aos berros, sua mãe perdeu a chupeta, vai o peito, que remédio?
Punk. O menino era punk. E não era rock? Não, punk. Pelo menos era o que letras garrafais tatuadas em seu braço esquerdo diziam. Li quando ele se virou para olhar a confusão.
A confusão! Quase esqueci dela. Quando o trem parou, uma guria surgiu sabe lá Deus de onde, puxou a sacola de laranjas, ainda sem nó, da mão da senhora, atravessou o corredor lotado de executivos atrasados, esbarrou em um sujeito de laranja - que ironia! -, careca, com uma trancinha comprida atrás da cabeça; correu em direção a saída da estação.
- Pega ladrão! - Quem gritou foi uma freira.
O guarda correu, agarrou a menina pelos cabelos, resgatou as laranjas, acenou para a freira. Tarde demais, moço. As portas do trem fecharam-se.
A velhota resmungou - perdera um saco de ácido ascórbico, importante para a manutenção dos tecidos conjuntivos. O bebê dormiu; o punk aumentou o volume do rock; a freira tornou a mexer os lábios enquanto dois de seus dedos trocavam de bolinha do terço com aroma de rosas.
Tic-tac - o rapaz olhou o relógio importado: oito e quinze, chegaria atrasado ao escritório.