sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Cidadania como exercício patriótico

O Brasil possui uma literatura historicamente ufanista, na qual intelectuais defendiam eloquentemente a identidade nacional e o direito de exercício da cidadania, uma prática de origem grega e adotada quase universalmente. Após revoltas, lutas armadas duramente reprimidas, golpes de Estado, finalmente surge, na década de 1980, uma constituição baseada em direitos humanos festejada por patriotas e elogiada por estrangeiros. No entanto, o brasileiro parece ter-se acomodado com a teoria e esquecido a prática.

O código de leis publicado em 1988 estabeleceu a volta dos três poderes regentes da república outrora banidos pelos militares, e trouxe perspectivas de melhorias tanto para a atuação de cada um desses poderes, quanto para a população, cuja participação no Estado tornou-se mais efetiva. A liberdade de expressão foi uma conquista para aqueles que sofreram períodos ditatoriais e para as futuras gerações habitantes das "terrinhas verdeamarelas". Passada a euforia da conquista, porém, o direito de opinião deixou de ser assiduamente utilizado.

Denúncias de atividades ilícitas e corrupção são diariamente feitas pelos meios de comunicação. O nacionalismo exacerbado, a sede pela defesa do que é do povo e a busca constante por mudanças não se fazem mais presentes no cotidiano do brasileiro. Políticas populistas governamentais, as quais aliviam situações sociais caóticas tais como a fome, por exemplo, abafam tensões e revoltas da maioria populacional, formada por pessoas de baixa renda. De um lado, os conformados com o equivalente a uma cesta básica mensal, do outro, os que reclamam baixinho seja por medo, seja para não incomodar - como se isso fizesse sentido. Assim, a opinião pública acerca dos absurdos praticados por supostos defensores de interesses nacionais torna-se omissa.

A história brasileira revela um passado de conquistas realizadas através de lutas, mortes e bravura; heróis nacionais são aqueles que buscaram justiça. O presente, no entanto, mostra a ética deturpada, a imoralidade do cinismo e do banditismo arrojado como ditadores de um país em que a corrupção generalizada tomou conta de um povo já sem forças para brigar. Está na hora de pôr em prática as leis impostas pela democracia já conquistada e fazer valer o título de "povo heroico" ratificado pelo hino nacional.

sábado, 10 de outubro de 2009

Palavras suficientes

Clarice Lispector entrevista Pablo Neruda - recorte de "Entrevistas"

Clarice: O que é angústia?

Neruda: Sou feliz.

Clarice: Escrever melhora a angústia de viver?

Neruda: Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal.

Clarice: Quem é Deus?

Neruda: Todos, algumas vezes. Nada, sempre.Clarice: Como é que você descreve um ser humano o mais complexo possível?

Neruda: Político, poético. Físico.

Clarice: Como é uma mulher bonita?

Neruda: Feita de muitas mulheres.

Clarice: Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento.

Neruda: Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?

Clarice: Em você o que precede a criação é a angústia ou um estado de graça?

Neruda: Não conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.

Clarice: Diga alguma coisa que me surpreenda.

Neruda: 748.

Clarice: Que acha da literatura engajada?

Neruda: Toda literatura é engajada.

Clarice: Qual de seus livros você mais gosta?

Neruda: O próximo.

Clarice: A que você atribui o fato de que os seus leitores acham você o 'vulcão da América Latina'?

Neruda: Não sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.

Clarice: Como se processa em você a criação?

Neruda: Com papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.

Clarice: A crítica constrói?

Neruda: Para os outros, não para o criador.

Clarice: Você já fez algum poema de encomenda? Se o fez, faça um agora, mesmo que seja um bem curto.

Neruda: Muitos. São os melhores. Este é um poema.

Clarice: Qual é a coisa mais importante do mundo?

Neruda: Tratar de que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.

Clarice: O que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?

Neruda: Depende da hora do dia.

Clarice: O que é amor? Qualquer tipo de amor.

Neruda: A melhor definição seria: o amor é o amor.

Clarice: Você já sofreu muito por amor?

Neruda: Estou disposto a sofrer mais.


Precisa mais?

L.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

The Big Match

It's early evening in the Matchmaker's Bar, Lisdoonvarna, in the West of Ireland. A live band is warming up for the dancing later on while matchmaker Willie Daly is starting work: finding suitable partners for his clients. Every September, men and women looking for love come to Lisdoonvarna, Ireland's only spa town. At the matchmaking festival they hope to find a "good match."
The tradition began when farmers came here after the hay harvest had been gathered, bringing their daughters with them. Even today, in remote parts of rural Ireland, it can be difficult to meet your soul mate. Willie Daly wants to help bring people together. A pint glass of Guinness in front of him, Daly hands out forms to fill in and consults his big matchmaking book with contacts and vital statistics. Willie Daly's father was a matchmaker, and his father before him. Initially, Willie Daly was reluctant to get involved. Now in his late 50s, Willie started when he was 24.

Willie Dally

The reason I started was where I live it's down on a farm and it looks out on the Atlantic Ocean, it's very pretty and very beautiful and there's great views everywhere. And I was looking around one day, and people kept saying to me, "Willie, when are you going to start, will you start the matchmekings?" And I said "Mybe I will", you know, I wasn't really interested much in it, you know. But then I was looking around and noticing that, as the result of matchmaking having stopped, that a lot of lovely neighbors that I had, existing neighbors, were getting old, dying out, and their houses were being sold to tourists and stuff like that, you know. And I felt that I was losing great friends and neighbors, so I started when I was 24 and I'm still doing it now.
The first match Willie Daly ever made was between a very shy boy who worked on a nearby farm and a local girl. Every time they met the boy's face would go pure red, Daly says. The boy did not realize that the girl had feelings for him. In his frustration he was even talking about emigrating to England. How it all worked out in the end is a long story best told over a pint of stout, but it involves the fale sale of a pig engineered by young Willie Daly. The match was a succsess, and the couple had eleven children.
Daly and his wife have seven children. Some of them help their dad with the matchmaking. In 35 years, Daly has honed his psychologist's skills. The internet has helped, too. In other ways, his job has become more difficult: Irish women today have a better education, more independence - and higher expectations.

(Kathleen Becker: Speak Up Magazine, Sept. 2006)

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You may have a chance to celebrate next June 12th. September is coming up, stay tuned!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

...so dream out loud

"Contos de fadas não dizem às crianças que dragões existem. As crianças já sabem que dragões existem.

Contos de fadas dizem às crianças que dragões podem ser vencidos".

domingo, 25 de janeiro de 2009

Estação Fome

Tic-tac - fazia o relógio importado do rapaz de terno e gravata. Era o som que embalava a garotinha recém nascida no colo da mãe. Em pé, um menino de preto, gel no cabelo, tênis quadriculado, brinco no nariz - mas não seria um boi? Não. Como é mesmo que se chama por aí? Já lembro. Devia ser surdo, o coitado. Se não era, vai ser um dia.
Não me entenda mal, não se trata de praga, mas de tecnologia: um aparelhinho às alturas nos ouvidos. Rock. Elvis Presley era barulho. Ah! 1954, that's all right, mama, explicação plausível.
A moça que ia de costas tinha o riso frouxo, sem motivo; olhava desconfiada para os lados - será mesmo que alguém prestava atenção nela?
Ao seu lado, uma senhora dava um nó em cada sacola que protegia frutas frescas compradas na feira de rua. Oito horas, mostrava o relógio importado. Feiras são cruéis: obrigam donas-de-casa a madrugar para garantir a ameixa mais vistosa, a lichia mais doce, o mamão mais maduro. Resultado: enquanto estamos indo com o caju, elas já estão voltando com a castanha.
- Pega ladrão!
A moça parou de rir; o rapaz escondeu o relógio com a mão direita, trêmula; o bebê acordou aos berros, sua mãe perdeu a chupeta, vai o peito, que remédio?
Punk. O menino era punk. E não era rock? Não, punk. Pelo menos era o que letras garrafais tatuadas em seu braço esquerdo diziam. Li quando ele se virou para olhar a confusão.
A confusão! Quase esqueci dela. Quando o trem parou, uma guria surgiu sabe lá Deus de onde, puxou a sacola de laranjas, ainda sem nó, da mão da senhora, atravessou o corredor lotado de executivos atrasados, esbarrou em um sujeito de laranja - que ironia! -, careca, com uma trancinha comprida atrás da cabeça; correu em direção a saída da estação.
- Pega ladrão! - Quem gritou foi uma freira.
O guarda correu, agarrou a menina pelos cabelos, resgatou as laranjas, acenou para a freira. Tarde demais, moço. As portas do trem fecharam-se.
A velhota resmungou - perdera um saco de ácido ascórbico, importante para a manutenção dos tecidos conjuntivos. O bebê dormiu; o punk aumentou o volume do rock; a freira tornou a mexer os lábios enquanto dois de seus dedos trocavam de bolinha do terço com aroma de rosas.
Tic-tac - o rapaz olhou o relógio importado: oito e quinze, chegaria atrasado ao escritório.